Aplicação de um modelo de avaliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológicoa nanotecnologia no Brasil

Abstract

Os artefatos tecnológicos fazem parte do cotidiano da grande maioria das pessoas, ainda que nem sempre sejam percebidos como resultados de um processo de pesquisa e desenvolvimento com implicações sociais e econômicas que, cada vez mais, influenciam e são influenciadas pela sociedade. Um simples telefone móvel, que pode ser encontrado nas mãos de uma grande parte da população mundial, parece esconder um conjunto de ações realizadas, e outras que ocorrem em paralelo, para seu pleno funcionamento. Além do planejamento e produção desse artefato, há uma rede de distribuição e venda, de marketing, de manutenção, de aplicativos, de transmissão e recepção de sinais, entre outras. Acrescente-se a isso um conjunto de leis e normas técnicas, de transformações sociais e de comportamentos, de novas relações de trabalho e serviços que passaram a existir a partir da criação e uso desse dispositivo. Entretanto, apesar dessas extensas e intensas influências na dinâmica social, as relações entre as pessoas e esse artefato praticamente se reduzem à compra e ao uso, sem participação nas demais fases que parecem ser invisíveis aos consumidores, ainda que muitas decisões tenham sido tomadas e lhes implicassem consequências. Seria possível mudar essa relação entre os consumidores e os produtores das tecnologias Haveria outros caminhos alternativos para o desenvolvimento tecnológico Seria necessário e possível um controle externo dos projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico Respostas afirmativas e propositivas a essas questões levaram Miguel Ángel Quintanilla a construir um modelo de avaliação do que seriam as Tecnologias Apropriáveis. No entanto, responder positivamente a essas questões não significa que sejam respostas fáceis. Esse caminho alternativo ocorre sob a luz de reflexões filosóficas acerca da tecnologia, assumindo-a como um sistema de ações intencionais, superando concepções simplistas como o mito da autonomia plena da tecnologia, sua redução ao artefato tecnológico livre de valores ou como mera aplicação da ciência. Assim, esta tese se propõe a aplicar o modelo das tecnologias apropriáveis de avaliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento em uma área e contexto específicos, a saber, a nanotecnologia no Brasil. Para isso, toma-se como base teórica a filosofia da tecnologia de Quintanilla e o seu modelo das tecnologias apropriáveis para analisar os dados obtidos por meio de entrevistas com pesquisadores de dois institutos de pesquisa brasileiros que são referências na área de nanotecnologia; o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Além disso, são apresentados os principais eventos históricos do surgimento da nanotecnologia como área de pesquisa e sua inserção e consolidação no Brasil a partir das políticas públicas de financiamentos, a fim de compreender melhor o cenário de trabalho dos pesquisadores entrevistados e os significados de suas concepções e representações. A pesquisa se caracteriza por um enfoque qualitativo, com análise de documentos e de conteúdos e entrevistas semiestruturadas. Os principais resultados apontam que a nanotecnologia surgiu em uma convergência de outras áreas científicas e tecnológicas e que, desde seu início, sofreu influências políticas e econômicas para sua consolidação nos países desenvolvidos. No Brasil não foi diferente. Destaca-se no contexto brasileiro a presença do modelo linear de desenvolvimento tecnológico e inovação nas políticas públicas, bem como a manutenção das tomadas de decisões nas mãos dos especialistas, excluindo-se um controle social. Pode-se dizer que esse ambiente, tanto nacional quanto internacional, reflete-se nas práticas dos pesquisadores entrevistados. Ao analisar os dados das entrevistas, a partir dos critérios de avaliação de projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico propostos por Quintanilla, observa-se que os aspectos mais desfavoráveis para uma tecnologia apropriável remetem à dimensão extrínseca dos processos tecnológicos e as características mais favoráveis se associam aos critérios intrínsecos. Entretanto, deve-se ressaltar que os pesquisadores atuam sob determinadas exigências e restrições, impostas pela legislação, protocolos reguladores, políticas públicas e agências de fomento. Ao final, conclui-se que o modelo das tecnologias apropriáveis se mostrou viável para avaliar os projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, além de iluminar a dinâmica desses processos ao incorporar uma base conceitual para se compreender a própria natureza dos sistemas tecnológicos.